Biblioteca de micro-organismos em alimentos

Carga de vírus transmitidos pelos alimentos e implicações para a indústria de alimentos

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Como os vírus transmitidos pelos alimentos podem ser evitados na indústria?

O QUE SÃO VÍRUS DE ORIGEM ALIMENTAR?

Os vírus entéricos humanos são a causa número um dos surtos de origem alimentar em todo o mundo. Quer seja um produtor, importador, exportador, processador, ou estoquista e distribuidor, é fundamental levar o risco viral em consideração visando proteger os consumidores. Ao contrário da maioria das bactérias, os vírus de origem alimentar não alteram o sabor nem o aspecto dos alimentos; além disso, são difíceis de eliminar com os processos industriais habituais.

Os principais vírus presentes nos alimentos são os vírus entéricos, que podem ser classificados em 3 categorias de acordo com a sintomatologia:

  • Vírus que provocam gastroenterite: norovirus, rotavírus, adenovírus intestinal, astrovírus, aichivírus, sapovírus ;
  • Vírus da hepatite A e da hepatite E ;
  • Vírus que se multiplicam no intestino, mas com um tropismo diferente, como o enterovírus de sistema nervoso central .

Os vírus transmitidos pelos alimentos se replicam no corpo humano e são eliminados nas fezes ou no vômito. Uma grande diversidade de vírus pode ser detectada nas fezes, no entanto, apenas algumas famílias têm sido responsáveis por surtos de origem alimentar Tabela 1).

Família Género (nome) Doença & Incubação) Transmissão através dos alimentos
Adenoviridae Tipo Adenovírus* (tipo 40-41) Gastroenterite (moderada) Rara
Astroviridae Astrovirus Gastroenterite (moderada) Rara
Caliciviridae Norovirus  Sapovirus Gastroenterite,      1-3 dias Frequente em marisco, bagas, manipuladores de alimentos
Coronaviridae Coronavírus (SARS) Constipação, pneumonia, disenteria Suspeita de ser zoonótico, manipuladores de alimentos
Flaviviridae Flavivírus, vírus da encefalite transmitida pela carraça (TBEV) Febre, náuseas, fadiga, dor no pescoço, nas costas, encefalite, 7-14 dias Rara: leite de vaca, cabra e ovelha
Hepeviridae Hepevirus (Vírus hepatite E) Hepatite, 3-8 semanas Rara, carne de porco, ostras
Orthomyxiviridae Gripe A      (Vírus H5N1) Gripe (febre, dor muscular) Rara: carne de aves (frango, pato, ganso...)
Paramyxoviridae Henipavirus    (Vírus Nipah) Doença semelhante à gripe, encefalite febril Rara, suspeito em dois surtos alimentares
Picornaviridae Kobuvírus          (Aichi virus) Gastroenterite, 1-2 dias Pouco frequente: crustáceos e moluscos
Picornaviridae Enterovírus Diversos síndromas clínicos, 3 a 10 dias Rara
Picornaviridae Hepatovírus (Vírus hepatite A) Hepatite, 2 a 6 semanas Frequente: crustáceos e moluscos, legumes, manipuladores de alimentos
Reoviridae Rotavírus Gastroenterite, 1-3 dias Rara

Tabela 1: vírus transmitido por alimentos alimentares. * vírus com um genoma de DNA. (adaptado de Le Guyader et al. 2012)

Norovírus e vírus da hepatite A

Os dois principais vírus envolvidos em surtos de origem alimentar são o norovírus e o vírus da hepatite A cuja classificação é a seguinte:

  Norovírus* Vírus hepatite A
Descoberta 1972 1973
Família Caliciviridae Picornaviridae
Género Norovirus Hepatovirus
Transmissão Fecal-oral Fecal-oral
Organização genômica Genogrupos GI, GII, GIV (afeta humanos) Genótipos Ia, Ib, IIa, IIb, III
Tamanho 27-40 nm 27-32 nm
Vacina Não Sim

* Descoberto por ensaio imune de microscopia eletrónica na cidade de Norwalk (Ohio, Estados Unidos), o vírus foi classificado no género do Vírus de Norwalk (NLV), antes de receber o nome definitivo de Norovírus em 2002.

COMO OS VÍRUS DE ORIGEM ALIMENTAR SÃO TRANSMITIDOS?

A transmissão de pessoa para pessoa por contato direto, com um paciente infectado, ou indireto (via matéria fecal ou vômito) é a mais relevante, mas o papel dos alimentos não é desprezível, sendo estimado em cerca de 14% 6Verhoef, 2015).

Vírus transmitidos por alimentos e rotas de contaminação

No ambiente externo, devido à sua adsorção em partículas e à sua resistência às variações de pH e de agentes desinfetantes (cloro, ozônio, radiação UV), estes vírus são capazes de resistir a tratamentos aplicados em estações de tratamento de esgoto e podem eliminados no ambiente em concentrações de cerca de 104 a 106 partículas/L (Le Guyader and al., 2010).

Os alimentos podem, dessa maneira, ser contaminados durante as várias fases de produção:

  • Contaminação durante o preparo por uma pessoa em fase de excreção do vírus;
  • Contaminação dos alimentos pela água potável (filtragem de marisco, fruta ou legumes, etc.),ou da rede (esgoto, água de irrigação, etc) em que os vírus se encontram presentes

 

COMO OS VÍRUS TRANSMITIDOS PELOS ALIMENTOS PODEM SER EVITADOS NA INDÚSTRIA?

Da fazenda ao garfo

A nível mundial, o Codex Alimentarius publicou novas diretrizes para a proteção global do consumidor. Elas impactam frutas, legumes, peixes e pescados e rações animais. As bagas frescas (limão, laranja, melancia, etc.) podem contribuir para uma alimentação saudável, mas também estão sujeitos a contaminações microbiológicas. Além disso, estão associados a muitos surtos provocados por vírus alimentares (Vírus da hepatite A, norovírus). O novo texto do Codex dá orientações para que os produtores e os consumidores possam evitar as contaminações.

BPA, BPH, BPF, HACCP e vírus de origem alimentar

Na Europa, de acordo com a EFSA, a Agência Europeia de Segurança dos Alimentos, que publicou inúmeras posições científicas sobre os riscos dos patógenos (incluindo o norovírus) em alimentos de origem não-animal, a medida mais eficiente para minimizar os riscos deve ser a implementação de sistemas de segurança alimentar incluindo as BPA(Boas Práticas Agrícolas), BPH (Boas Práticas de Higiene), BPF (Boas Práticas de Fabricação) e HACCP (APPCC: Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle). Estes sistemas devem ser postos em prática desde a fazenda até o garfo e contemplar todo o conjunto de riscos microbiológicos. Até o momento, existe uma rede de laboratórios aptos, alguns deles acreditados com a  ISO 17025, e que operam nos cinco continentes e que oferecem, às industrias, soluções de análise para os vírus alimentares mais comuns.

COMO A PRESENÇA DE VÍRUS TRANSMITIDOS PELOS ALIMENTOS PODE SER DETECTADA NA INDÚSTRIA?

A ISO 15216-1 especifica um método para a quantificação dos níveis de HAV e genogrupos RNA I (GI) e II (GII) do norovírus a partir de amostras de alimentos (frutas carnosas, folhas, caules e bulbo, legumes, água envasada, moluscos bivalves) ou superfícies de alimentos. Depois da eluição dos vírus da amostra, o RNA viral é então extraído por lise celular com tiocianato e adsorção em sílica. As sequências alvo dentro do ARN viral são amplificadas e detectadas em tempo real por RT-PCR.

  • ISO 15216-1:2017 Part 1: Method for quantification - Horizontal method for determination of hepatitis A virus and norovirus using realtime RT-PCR.ISO 15216-1:2019 Part 2: Method for detection - Microbiology of the food chain - Horizontal method for determination of hepatitis A virus and norovirus in food using real-time RT-PCR. This method is not validated for detection of the target viruses in other foodstuffs (including multi-component foodstuffs), or any other matrices, nor for the detection of other viruses in foodstuffs, food surfaces or other matrices of the food chain.

COMO OS VÍRUS TRANSMITIDOS PELOS ALIMENTOS PODEM SER CONTROLADOS NA INDÚSTRIA?

Vírus de origem alimentar e processos produtivos:

A contaminação de pessoas e superfícies também pode ocorrer pelos aerossóis (gotículas libertadas durante o vômito). Observa-se que estes vírus apresentam uma resistência importante a vários processos utilizados na indústria. Apenas um tratamento térmico como a esterilização (no mínimo a 100ºC durante vários minutos) permite garantir a eliminação viral. Outros tratamentos (térmicos, cloração, UV, alta pressão, etc.) terão um impacto variável a ser validado conforme os tipos de alimentos e de sua respectiva composição (muito açúcar ou gordura na composição terá um efeito protetor sobre o vírus) (Relatório anual da EFSA).

Critérios de segurança microbiológica na Europa:

O regulamento europeu EC 178/2002, também designado por « Lei dos Alimentos », em tradução livre, constitui a base para a segurança dos Alimentos e para o "Pacote de Higiene". O seu escopo inclui os alimentos humanos e alimentos para nutrição animal.

O artigo 14º do regulamento indica que não deve ser colocado no mercado nenhum produto alimentar que seja considerado perigoso caso seja prejudicial para a saúde e/ou impróprio para consumo humano.

O Regulamento EC 2073/2005 refere-se aos alimentos. Em sua consideração (2), especifica que os alimentos não devem conter micro-organismos, toxinas ou metabólitos em quantidades que representem um risco inaceitável para a saúde humana.

Além disso, o Regulamento EC 2073/2005 especifica no seu considerando (27) que, em especial, devem ser estabelecidos os critérios para os vírus patogênicos em moluscos bivalves vivos se os métodos análise estiverem disponíveis.

Os vírus intestinais, como o norovírus e o vírus da hepatite A participam do painel de regulação de diretrizes que formam a base do "Pacote Higiene " em vigor desde 2006.

Na França

A FCD (French Trade and Retail Federation) definiu novos critérios microbiológicos aplicáveis a partir de 01/01/2015 para norovírus e para vírus da hepatite A.

QUAIS SÃO OS RISCOS DE VÍRUS TRANSMITIDOS PELOS ALIMENTOS PARA O CONSUMIDOR ?

Norovírus

Os norovírus são o principal agente causador de gastroenterites em todas as faixas etárias, principalmente no inverno. Estes vírus são a principal causa da gastroenterite aguda (GEA) em adultos e a segunda causa nas crianças. Os sintomas são caraterizados por vômitos súbitos (por vezes violentos) acompanhados de diarreia, cólica abdominal, náuseas e febre.

O período de incubação é de aproximadamente 12 a 72 horas com persistência dos sintomas clínicos durante 2 a 4 dias, no máximo; deve ser observado que a disseminação viral prolonga-se durante duas a três semanas após pararem os sintomas. Durante a fase aguda da doença, a eliminação viral é de 10^11 partículas virais/g de fezes e se estabiliza em cerca de 10^8 após os sintomas terem parado. Devido à dose infeciosa baixa calculada em entre 10 a 100 partículas virais, o potencial de transmissão de pessoa para pessoa é relevante.

Os norovírus dos genogrupos I e II (principais genogrupos de interesse) possuem uma diversidade genética significativa e são divididos em diversos genótipos. Até agora, foram descritos 9 genótipos para o NoV GI e 22 genótipos para o NoV GII.

Vírus hepatite A

O vírus da hepatite A induz a hepatite com os sintomas clínicos associados (anorexia, náuseas, quadro gripal, urticária, icterícia). As formas assintomáticas são frequentes, principalmente em crianças com menos de 6 anos (70% dos casos). Para crianças mais velhas e para adultos, a proporção das formas assintomáticas aumenta com a idade. A icterícia está presente em mais de 70% dos casos em adultos. A gravidade dos sintomas também aumenta com a idade. O tempo médio de incubação é de 28 a 30 dias. A eliminação viral nas fezes é alta a 15 dias antes do início dos sintomas e ao longo do quadro diminui rapidamente. A evolução da doença possui geralmente uma resposta rápida e favorável. Raramente se observa formas prolongadas (15% dos casos), mas sem a passagem para as formas crónicas. Existem quadros fulminantes, fatais ou com necessidade de transplante do fígado (< 1% dos casos). A mortalidade na hepatite A é de 0,6%.

O vírus da hepatite A pode causar doença hepática persistente e se dissemina, normalmente, por meio dos mariscos crus ou mal cozidos ou de produtos crus contaminados. Os manipuladores de alimentos infectados também são fonte frequente de contaminação dos alimentos.

https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/food-safety

DADOS PRINCIPAIS:

Segundo a OMS, o norovírus é o patógeno mais comum implicado em surtos.
1,7 bilhões de casos de diarreia todos os anos no mundo
. A diarreia é a segunda causa de mortalidade de crianças com menos de cinco anos, todos os anos, mais de 525.000 morrem.

Em 2018, a EFSA e o ECDC relataram que, na União Europeia, a hepatite A e o norovírus ficaram em segundo e terceiro lugar, seguidos da Salmonela, no número de hospitalizações, com 6,8% e 4,8% de todas as hospitalizações relacionadas a surtos daquele ano.

https://www.ecdc.europa.eu/sites/default/files/documents/zoonoses-EU-one-health-2018-report.pdf

Foi identificado o agente causador em 3.923 surtos de origem alimentar e de água (76,2% do total de surtos) causando 36.294 doenças (75,0% do total de doenças).

Os vírus foram relatados como agentes causadores de 13,5% dos surtos de origem alimentar e de água, seguidos das bactérias (57,0%) e das toxinas bacterianas (24,2%).

O norovírus foi o vírus mais frequentemente identificado nos surtos de origem alimentar e de água e foi o quarto agente mais frequentemente detectado em surtos. Depois da salmonela, o norovírus causou o maior número de doenças (17,6%) de todas as doenças relacionadas aos surtos.

A hepatite A e o norovírus ficaram em segundo e terceiro lugar, seguidos da salmonela, no número de hospitalizações, com 6,8% e 4,8% de todas as hospitalizações relacionadas aos surtos de 2018.

https://www.ecdc.europa.eu/sites/default/files/documents/zoonoses-EU-one-health-2018-report.pdf


 

QUAIS AS INDÚSTRIAS PELOS VÍRUS TRANSMITIDOS PELOS ALIMENTOS?

Uma série de surtos alimentares documentados e relacionados com as contaminações por vírus, destaca como as matrizes são amplas: moluscos bivalves crus (ostras, mariscos, mexilhões), em especial, são as matrizes de maior risco, pois estes filtradores são contaminados quando as águas de que precisam para se alimentar estão poluídas com efluentes. Frutos vermelhos sem caroço (framboesas, morangos, amoras,…) também estão frequentemente implicados em grandes surtos, frescos ou congelados, mesmo após o processamento. Legumes e, mais especificamente, folhosas também podem ser facilmente contaminados.

Contaminação por norovírus nos alimentos

Alguns dos produtos contaminados com norovírus são as ostras congeladas ou, mexilhões, vieiras, mirtilos, vôngoles, algas congeladas, mariscos processados, cerejas ácidas, groselhas, framboesas, morangos, tomate cereja, espinafres, physalis, alface, água engarrafada……

Contaminação pelo vírus da hepatite A nos alimentos

Alguns dos produtos contaminados com o vírus da Hepatite A são o atum congelado, vieiras cruas, morangos congelados, sementes de romã, amoras, tâmaras, bagas congeladas, alface, mariscos, mexilhões,ostras e outros moluscos bivalves …

Contaminação pelo vírus da hepatite E nos alimentos

Alguns dos produtos contaminados com o vírus da hepatite E são o figatelli, salsichas de fígado cozidas ou frescas, quenelle, fígado salgado seco, produtos feitos principalmente de fígado de porco cru ou miúdos de animais de caça

Descubra o nosso relatório RISCO DOS VÍRUS TRANSMITIDOS PELOS ALIMENTOS

Fabienne Loisy-Hamon
Escrito por

Virology R&D Manager, Food business bioMérieux

Working group member of CEN/ISO, molecular detection of viruses (CEN/G6/TC275/TAG4)

Foodborne pathogens (CEN/WG6/TC275/TAG3) and parasites (ISO/TC34/SC9/WG6)

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