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Grupo Bacillus cereus: Microrganismos produtores de toxinas persistentes e prejudiciais à indústria de alimentos

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O grupo Bacillus cereus também denominado B. cereus sensu lato ou Bacillus cereus presuntivo” consiste em bacilos Gram-positivos, em forma de bastonetes, formadores de esporos

 

O que é o grupo Bacillus cereus?

O grupo Bacillus cereus também denominado B. cereus sensu lato ou “Bacillus cereus presuntivo” consiste em bacilos Gram-positivos, em forma de bastonetes, formadores esporos, geralmente isolados do solo e de outras matrizes ambientais e alimentares.

O grupo B. cereus é uma subdivisão do género Bacillus que compreende oito espécies formalmente reconhecidas: B. cereus sensu stricto, B. anthracis, B. thuringiensis, B. weihenstephanensis, B. mycoides, B. pseudomycoides, B. cytotoxicus e B. toyonensis (EFSA, 2016). Esta taxonomia atual do grupo B. cereus e a definição das espécies isoladas se amparam principalmente de características fenotípicas estabelecidas antes da era genômica. Durante os últimos 20 anos, vários métodos genotípicos, incluindo o Sequenciamento Completo de Genoma (Zervas et al., 2020, Carroll et al. 2020) introduzido recentemente, revelaram a existência de três grandes clados filogenéticos dentro de Bacillus cereus, divididos em outros sete grupos filogenéticos (Priest et al., 2004, Guinebretiere et al., 2008, Okinaka et al., 2016; Bazinet, 2017). Por estas razões, foram propostas novas espécies teóricas dentro do grupo Bacillus cereus (Liu et al., 2017; BfR, 2020).

Também se tornou evidente que a classificação fenotípica tradicional e a filogenia não estavam necessariamente em sincronia, principalmente devido à particular plasticidade dos genomas bacterianos na vida real. Atribuir um único isolado do grupo de Bacillus cereus a uma única espécie ou grupo filogénico é ainda mais complicado porque a filogenia se baseia em genes cromossómicos, enquanto que a virulência e os traços fenotípicos principais são transmitidos por plasmídeos e podem, portanto, ser perdidos, transferidos horizontalmente e presentes de forma desigual dentro de uma espécie (EFSA, 2016). Algumas cepas associadas a, por exemplo, B. thuringiensis têm um repertório semelhante de genes de virulência potencial no cromossomo, assim como Bacillus cereus sensu stricto, mas carregam nos plasmídeos outros genes cruciais para a produção de biopesticidas (EFSA, 2016). Por conseguinte, a relevância da resolução taxonômica do grupo B. cereus em espécies isoladas tem sido questionada (EFSA, 2016).

A patogenicidade do grupo de B. cereus está associada - além do carbúnculo, potencialmente fatal, e algumas doenças do mesmo tipo causadas por B. anthracis - a algumas cepas de B. cereus, que causam a duas doenças gastrointestinais: as síndromes eméticas (vômito) e diarreicas.

 

Quais são os riscos para os consumidores?

A síndrome emética é causada pela toxina cereulida produzida por isolados de B. cereus sensu lato portadores de genes da cereulida sintetase, de herança e transmissão plasmidiais (Ehling-Schulz et al., 2006). Como a cerulida é normalmente pré-formada em alimentos, ela causa um rápido início de vômitos (15 min a 6 h) após ingestão de alimentos contaminados. Normalmente, esta doença é auto-limitada, mas intoxicações mais graves já foram ocasionalmente relatadas e requerem hospitalização e cuidados médicos intensivos. Devido à sua estabilidade ao ácido e ao calor, a cerulida geralmente não é inativada quando formada no ambiente normal de processamento alimentar.

A síndrome diarreica da intoxicação alimentar por B. cereus é caracterizada por dor abdominal e diarreia aquosa e tem estado ligada a três enterotoxinas cromossomicamente codificadas. São elas i) duas toxinas de três componentes, a enterotoxina não hemolítica (Nhe), a toxina hemolítica (Hbl) e ii) a citotoxina K (CytK). As enterotoxinas são termolábeis e são enzimaticamente digeridas durante a passagem através do estômago, enquanto os esporos de B. cereus (e também algumas células vegetativas) sobrevivem à passagem gastrointestinal. Assim, assume-se geralmente que a diarreia é induzida pela produção de enterotoxinas após 8 -16 horas de crescimento dos esporos em proximidade ou contato direto com o epitélio intestinal. No entanto, as fosfolipases, esfingomielinases, hemolisinases, proteinases e peptidases representam provavelmente fatores de virulência adicionais envolvidos na síndrome. Estas enterotoxinas e fatores de virulência adicionais estão amplamente distribuídos entre os membros do grupo B. cereus (Ehling-Schulz et al., 2019).

Além do seu potencial de intoxicação alimentar, B. cereus sensu lato é também cada vez mais reconhecido como um patógeno nosocomial causador de infeções em doentes imunocomprometidos; porém,  também há relatos de casos de infecções por B. cereus em pacientes imunocompetentes. Entre os grupos de maior risco estão os recém-nascidos ou doentes com cateteres permanentes (EFSA, 2016).

Os impactos na saúde pública decorrentes de doenças de origem alimentar devido ao Bacillus cereus são, em grande parte, subnotificados (tanto na UE como nos EUA), visto que apenas os surtos, mas não os casos esporádicos, são eventualmente investigados, (Scallan et al., 2011).

Indicadores

Na UE, em 2019 (EFSA & ECDC, 2021), as toxinas produzidas por B. cereus foram:

- responsáveis por 155 surtos (contra 75 surtos devidos a C. perfringens e 74 surtos a S. aureus), 1.636 casos, 44 hospitalizações, 7 mortes (14 mortes para todas as toxinas bacterianas, o que corresponde a uma elevada proporção de todos os casos fatais notificados em 2019 nos FBOs (23,3%)).

- os agentes patogênicos mais frequentemente notificados nos EUA, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) estimou (Scallan et al., 2011) que o número anual de casos e surtos esporádicos associados a Bacillus cereus é de 63.400 (com 0,4% de hospitalização e 0% de mortalidade).

A maioria dos casos de surtos de origem alimentar causados pelo grupo B. cereus foram associados a concentrações bacterianas superiores a 105 CFU/g nos gêneros alimentícios. Alguns casos de doença emética e diarreica envolveram entre 103 e 105 CFU/g de B. cereus (EFSA, 2016; FDA, 2012).

 

Como se transmite o Bacillus cereus?

O solo é a principal fonte de contaminação de alimentos crus com esporos de B. cereus. O solo pode conter entre 103 e 105 esporos de B. cereus por grama. Em alimentos complexos, alguns ingredientes foram identificados como fonte importante de contaminação com esporos de B. cereus, tais como texturizantes, ovos líquidos, ervas aromáticas e especiarias. Os esporos podem sobreviver a intensas etapas de processamento, por exemplo, a desidratação, subsequentemente contaminando diversos alimentos pela via de ingredientes desidratados. Pode ocorrer contaminação adicional durante o processamento de alimentos porque os esporos de B. cereus, que têm fortes propriedades de adesão, podem formar biofilmes e podem persistir na superfície dos equipamentos.

O armazenamento do produto processado ou a utilização de matérias-primas em alimentos complexos com condições favoráveis ao B. cereus (por exemplo, especiarias utilizadas em receitas, ou ovos líquidos em cremes de gemas ou pudins refrigerados) permitem a germinação de esporos e o crescimento de B. cereus a números que podem representar um perigo para os consumidores. A maioria dos alimentos com elevada umidade e não-acidificados favorece o seu crescimento. O crescimento é, porém, limitado pela refrigeração; abaixo de 10°C, apenas uma poucas cepas de B. cereus presentes serão capazes de crescer (EFSA, 2005).

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Quais indústrias são normalmente afetadas por B. cereus?

Bem, uma grande variedade de alimentos, incluindo carnes, leite, vegetais e peixes, tem sido associada à intoxicação alimentar do tipo diarreico. Os surtos eméticos têm sido geralmente associados a produtos à base arroz; no entanto, outros alimentos ricos em amido também têm sido implicados, incluindo batatas, massas e queijo. Além disso, preparados para molhos, sobremesas, sopas, ensopados, massas e saladas, têm sido frequentemente associados a surtos de intoxicação alimentar (FDA, 2012).

 

Como prevenir e controlar Bacillus cereus na indústria alimentar?

As leis dos EUA (FDA Food Safety Modernization Act; USDA-FSIS Food Safety Acts for Meat, Poultry & Egg Products) e as regulações obrigatórias da UE (Regulamento da UE 178/2002) incluem extensos requisitos para a prevenção da contaminação de alimentos. Todos os players do setor de alimentos, ou seja, produtores, fabricantes, processadores, distribuidores, importadores, comerciantes, etc. devem cumprir com os requisitos e responsabilizar-se caso não distribuam alimentos seguros.

Além disso, as regulações dos EUA e da UE exigem que os operadores do setor analisem os riscos específicos de Segurança dos Alimentos associados aos seus processos e produtos, administrando-os através de planos de segurança baseados em risco e definidos de acordo com os princípios do HACCP (FDA 21CFR117 et al. - FSIS Pathogen reduction and HACCP regulation 9 CFR 304 et al. - Regulamento (UE) 2073/2005).

O recall obrigatório de qualquer alimento contaminado reforça ainda mais o contexto regulatório em favor de gestão de riscos aplicado ao longo da cadeia de alimentos (FDA Food Safety Modernization Act, FSIS 9 CFR 304 et al., Regulamento (UE) 178/2002).

Além dos requisitos regulatórios obrigatórios, deve notar-se que os players do setor alimentar devem também abordar nos seus planos de gestão da Segurança dos Alimentos o potencial impacto que a retirada do produto do mercado, ou os desdobramentos legais, poderiam ter nas suas empresas.

A nível da UE, "Bacillus cereus presuntivo" foi definido como um critério de Higiene do Processo para fórmulas desidratadas para lactentes e produtos desidratados para fins médicos especiais destinados a lactentes com menos de seis meses de idade (Regulamento 1441/2007). O limite superior de aceitabilidade foi fixado em 500 UFC/g de acordo com o perfil potencialmente sensível dos consumidores nesta faixa etária.

Contudo, além deste critério específico, visto que Bacillus cereus sensu lato e as suas toxinas têm sido amplamente reconhecidos como um problema de saúde pública e estão ligados a uma vasta gama de setores alimentares e gêneros alimentícios, todos os players relevantes do setor alimentar nos EUA e na UE devem, em termos de conformidade regulatória, integrar o risco B. cereus em seus planos de Segurança dos Alimentos para controlar o risco de saúde pública para os seus clientes finais. 

 

Como detectar/quantificar a presença de B. cereus na indústria alimentar?

Tanto regulações da UE como dos EUA exigem que o setor de alimentos efetue testes microbiológicos, conforme apropriado, quando validam ou verificam o funcionamento adequado dos seus procedimentos de controle baseados no HACCP e nas boas práticas de higiene (Regulamento (UE) 2073/2005: Lei de Modernização em Segurança de Alimentos da FDA).

Além dos testes voltados para fins epidemiológicos (para uma revisão completa, ver EFSA, 2016 parágrafo 3.3), métodos simples de contagem ou detecção de "Bacillus cereus presuntivo" demonstraram ser compatíveis com as necessidades de verificações de rotina no que diz respeito à eficácia dos planos de controle da indústria para a segurança dos alimentos. Foram descritos vários métodos padronizados (ISO 7932, ISO 21871, FDA-BAM, USDA/FSIS- MLG) ou métodos rápidos validados (AOAC OMA ou RI, EN/ISO 16140-2). 

A bioMérieux oferece aos gerentes de Food Safety métodos comprovadamente validados e normalizados para administrar o risco do grupo Bacillus cereus e suas respectivas toxinas ao longo da cadeia de produção de alimentos.

Jean-Pierre Facon
Escrito por
Jean-Pierre FACON

(PhD), Biotech consultant

Picture Isabelle DESFORGES
Escrito por
Isabelle DESFORGES

Global Marketing Scientific Manager / Scientific Affairs

Food Business Industry Unit, bioMérieux SA, France

French Delegate of Food Microbiology Standardization committees
(AFNOR V08B, ISO/TC 34/SC 9 and CEN/TC 463)

soluções e produtos da bioMérieux

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Identificação:
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- Sistema automatizado de identificação bioquímica: VITEK® 2 BCL
- Espectrometria de massa MALDI-TOF: VITEK® MS

Referências

Bazinet A.L. Pan-genome and phylogeny of Bacillus cereus sensu lato. BMC Evol. Biol. 2017, 17.

BfR (Instituto Federal de Avaliação de Riscos). Bacillus cereus bacteria in foodstuffs may cause gastrointestinal diseases. Opinion n.º 048/2020. 2020: 18p.

Carroll L.M., et al. Proposal of a Taxonomic Nomenclature for the Bacillus cereus Group Which Reconciles Genomic Definitions of Bacterial Species with Clinical and Industrial Phenotypes., 2020, 11: 1-15.

EFSA J. Opinion of the Scientific Panel on Biological Hazards on Bacillus cereus and other Bacillus spp in foodstuffs. 2005: 175,1-48.

EFSA J. Scientific opinion on the risks for public health related to the presence of Bacillus cereus and other Bacillus spp. including Bacillus thuringiensis in foodstuffs. 2016;14(7):4524, 93 pp.

EFSA and ECDC (European Food Safety Authority and European Centre for Disease Prevention and Control). The European Union One Health 2019 Zoonoses Report. EFSA Journal 2021;19(2):6406, 286 pp.

EU Regulation 178/2002 laying down the general principles and requirements of food law, establishing the European Food Safety Authority and laying down procedures in matters of food safety.

Regulamento (UE) 2073/2005 relativo a critérios microbiológicos aplicáveis aos géneros alimentícios

Regulamento (UE) 1441/2007 que altera o Regulamento (CE) n.º 2073/2005 relativo a critérios microbiológicos aplicáveis aos géneros alimentícios

Ehling-Schulz M., et al. Cereulide synthetase gene cluster from emetic Bacillus cereus: structure and location on a mega virulence plasmid related to Bacillus anthracis toxin plasmid pXO1. BMC Microbiol 2006, 6:20.

Ehling-Schulz M., et al. The Bacillus cereus Group: Bacillus Species with Pathogenic Potential. Microbiol. Spectr. 2019, 7.

FDA. Bad Bug Book. Foodborne Pathogenic Microorganisms and Natural Toxins. Bacillus cereus and other Bacillus species. 2012. 4p.

FDA Food Safety Modernization Act. Public Law - An Act to amend the Federal Food, Drug, and Cosmetic Act with respect to the safety of the food supply. 2011. 89p.

FDA. 21 CFR Parts 1, 11, 16, 106, 110, 114, 117, 120, 123, 129, 179, and 211. Current Good Manufacturing Practice, Hazard Analysis, and Risk-Based Preventive Controls for Human Food. 2015. 262p.

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Okinaka, R.T., et al. The Phylogeny of Bacillus cereus sensu lato. Microbiol. Spectr. 2016, 4. 

Priest, F.G.et al. Population structure and evolution of the Bacillus cereus group. J. Bacteriol. 2004, 186, 7959–7970. 

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USDA (US Department of Agriculture) - FSIS (Food Safety Inspection Service) – Food Safety Acts: Federal Meat Inspection Act – Poultry Products Inspection Act – Eggs Product Inspection Act. 

USDA. 9 CFR Parts 304, 308, 310, 320, 327, 381, 416, and 417. Pathogen Reduction; Hazard Analysis and Critical Control Point (HACCP) Systems; Final Rule.1996. 185p.

USDA – FSIS: Microbiology Laboratory Guidebook. Chap 12. Examination of Meat and Poultry for Bacillus cereus.1998. 6p.

Zervas A., et al. Identification and Characterization of 33 Bacillus cereus sensu lato isolates from Agricultural Fields from Eleven Widely Distributed Countries by Whole Genome Sequencing. Microorganisms 2020, 8 :1-17.

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